Internacional

A 3 de setembro de 1939, Chamberlain foi à BBC anunciar o início da II Guerra Mundial, hoje Zelensky foi ao The Guardian dizer que “esta já é a III Guerra Mundial”

Casa Branca deu esta sexta-feira luz verde ao uso de armamento norte-americano na Rússia, seguindo as pisadas de Reino Unido, França, Alemanha, Canadá e muitos outros. Os analistas garantem que a dinâmica da guerra mudou, mas continua a haver uma diferença: “O momento Munique ainda não aconteceu”

“Esta manhã, o embaixador britânico em Berlim entregou uma nota final ao governo alemão. A nota dizia: A não ser que até às 11:00 estejam preparados para retirar as tropas da Polónia, passará a existir um estado de guerra entre nós.

Tenho de dizer-vos agora que não foi recebido tal compromisso e que, consequentemente, este país está em guerra com a Alemanha.” 

No Reino Unido, o relógio marcava 11:15 quando o primeiro-ministro Neville Chamberlain anunciou aos britânicos, através da rádio pública BBC, que tinha declarado guerra contra a Alemanha de Adolf Hitler. Para o resto do mundo seria o início da II Guerra Mundial.

Passados 84 anos, oito meses e 28 dias, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, escolheu um jornal britânico, o The Guardian, para afirmar esta sexta-feira que a guerra em curso no seu país já “é a verdadeira III Guerra Mundial“. Um dia antes, Joe Biden deu luz verde à Ucrânia para empregar os famosos ATACMS – com capacidade para transportarem ogivas nucleares – contra território russo nas imediações de Kharkiv e surgia a notícia de que França se está a preparar para enviar instrutores militares para território ucraniano, apesar das preocupações dos aliados.

Para o especialista em Relações Internacionais Tiago André Lopes, apesar de a comparação ser “válida” – dois chefes de Estado, dois meios de comunicação britânicos e um momento de grande incerteza geoestratégica – há uma diferença: “O momento Munique ainda não aconteceu.” 

Tiago André Lopes refere-se ao Pacto de Munique firmado entre Alemanha, Itália, França e Reino Unido em Munique, a 29 de setembro de 1938, e em que Berlim passou a ter controlo sobre a região germanófila de Sudeta, na antiga Checoslováquia. O professor da Universidade Portucalense lembra que este foi um momento de concessão e foi traçada uma linha vermelha: não invadir a Polónia. Menos de um ano depois, Hitler acabou por avançar rumo a Varsóvia. Na Ucrânia, refere, ainda “não houve esse ponto de tentativa de concessão”, que poderá passar pela cedência da Crimeia, por excluir o Kremlin de pagamento de reparações a Kiev ou até fazer cair o mandado de captura internacional de Vladimir Putin.

“Há um jogo de perceções e a História não é boa para nenhum dos lados, mas o momento Munique ainda não aconteceu. Para Zelensky é importante dramatizar o momento, porque assim as populações ocidentais vão continuar a olhar com bons olhos para os apoios anuais à Ucrânia”, explica Tiago André Lopes, garantido que este não é “o momento de entrada na III Guerra Mundial”.

O major-general Arnaut Moreira considera que “nada é inevitável” e apesar de não ir tão longe quanto o presidente ucraniano reconhece que “a dinâmica da guerra mudou e mudou muito”. “Tornou-se evidente que o Ocidente percebeu que estava a dar uma vantagem estratégica à Rússia. No espaço de 15 dias, começámos a olhar para a guerra de forma diferente”, explica o analista militar, garantindo que o volte-face foi o “Ocidente ter percebido que é preciso abater as tropas antes que estas ultrapassem a fronteira da Ucrânia”.

No entendimento de Arnaut Moreira esta decisão de aliados como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França e Alemanha “era necessária e foi tomada de forma muito célere”. Primeiro, porque, como explica, foi por causa desta “limitação traçada pelo próprio Ocidente que a Rússia aproveitou toda a liberdade de ação necessária para conquistar uma dimensão confortável de território”, segundo, foi rápida devido às “movimentações russas junto a Kharkiv”.

“Agora as coisas mudaram e já não são drones, mas as armas altamente tecnológicas do Ocidente”, aponta o major-general, assegurando que Moscovo terá de começar a defender-se de outra forma e “terá de deslocar antiaéreas para novas regiões junto à fronteira com a Ucrânia”.

Se para Tiago André Lopes a luz verde de Washington é “uma oficialização do que já se fazia sem que fosse público”, história diferente é a decisão francesa de enviar militares para a Ucrânia: “Passamos a assumir formalmente que os Estados estão dispostos a enviar tropas, não lhes chamam soldados, chamam-lhes instrutores militares, mas esta figura do instrutor é algo muito vago e dúbio.” O especialista em Relações Internacionais considera que a designação de Paris para estes operacionais “não é assim tão linear” e que a resposta mais provável, na sua análise, é que “Moscovo se esforce para os enviar de volta em caixões”, alertando que o “Palácio do Eliseu pode não conseguir pagar esse custo” devido ao impacto na opinião pública.

Tendo isso em conta, a Polónia optou por uma estratégia diferente, como realça Tiago André Lopes, ao anunciar que vai formar um batalhão de ucranianos a viver em território polaco para enviar para a Ucrânia. Algo que o especialista classifica como uma “manobra de contorno”. “Objetivo de Tusk é não perder a opinião publica”, considera.

Já Arnaut Moreira desvaloriza o envio de militares franceses para a Ucrânia, lembrando que “todos os sistemas de armas precisam de manutenção e como tal é necessário enviar operacionais de apoio técnico e instrutores”. O estratega militar realça ainda que “a Rússia também o faz em África”, reiterando que “é algo absolutamente normal”.

Um cenário adivinha-se certo para Tiago André Lopes assim que as tropas ocidentais entrarem na Ucrânia: “Os objetivos do Kremlin passarão a ser matar europeus.”

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