A Internet aproxima e afasta: o paradoxo digital e a epidemia de solidão

Em um mundo cada vez mais digital, nunca foi tão fácil se comunicar. Em segundos, é possível mandar uma mensagem, fazer uma chamada de vídeo ou compartilhar momentos com centenas de pessoas. Mas, por trás das notificações constantes e das timelines movimentadas, esconde-se um fenômeno preocupante: a solidão provocada pela hiperconexão.

Especialistas alertam que, embora a internet tenha revolucionado a forma como nos conectamos, ela também pode estar nos afastando uns dos outros na vida real — e isso está afetando a saúde mental de milhões de pessoas ao redor do mundo.

Conectados, mas sozinhos

Estudos recentes mostram que o uso intenso de redes sociais está diretamente associado ao aumento de sintomas de depressão, ansiedade e isolamento social, especialmente entre jovens. O excesso de tempo online, muitas vezes substituindo interações presenciais, tem contribuído para um novo tipo de solidão: a que surge mesmo cercado de conexões virtuais.

“Você pode ter milhares de seguidores e ainda se sentir profundamente sozinho”, diz a psicóloga e pesquisadora da UFRJ, Mariana Lemos. “A conexão digital não substitui o contato humano real, e é essa ausência que está gerando um vazio emocional.”

Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado recentemente estima que a solidão esteja ligada a 871 mil mortes por ano, e classifica o isolamento social como uma das grandes ameaças à saúde pública global. Entre os principais fatores de risco, está justamente o uso excessivo de tecnologia sem vínculos afetivos reais.

Depressão e saúde mental em declínio

O uso constante de redes sociais tem sido associado ao fenômeno conhecido como “comparação social tóxica”. As pessoas se veem expostas a vidas aparentemente perfeitas, sentindo-se inadequadas, excluídas ou insuficientes. Isso pode levar a sintomas depressivos, insegurança, perda de autoestima e até pensamentos suicidas.

“A dopamina liberada por curtidas e comentários cria uma falsa sensação de recompensa, mas é efêmera. A frustração vem logo em seguida, especialmente quando a validação não acontece como esperado”, explica o psiquiatra André Costa, da USP.

Adolescentes e jovens adultos são os mais vulneráveis. Dados indicam que esse grupo passa, em média, mais de sete horas por dia online — muitas vezes em ambientes marcados por superficialidade, cobranças estéticas e interações agressivas.

A ilusão da conexão constante

Plataformas como Instagram, TikTok, X (antigo Twitter) e até aplicativos de mensagens prometem encurtar distâncias. E de fato o fazem — mas, frequentemente, à custa de relações profundas e significativas.

“Estamos perdendo a habilidade de conversar olho no olho, de lidar com silêncios, de estar presentes de verdade”, afirma a socióloga Camila Barreto, autora do livro Desconectados na Era Digital.

Ela destaca que a comunicação digital muitas vezes gera relações frágeis e descartáveis, o que pode agravar sentimentos de rejeição e exclusão.

Desintoxicar-se para reconectar

Para lidar com esse cenário, especialistas recomendam práticas de “desintoxicação digital” — como limitar o tempo nas redes sociais, priorizar interações presenciais, desligar notificações e cultivar relações mais profundas.

Além disso, há um apelo por políticas públicas e educacionais que incentivem o uso consciente da tecnologia e promovam espaços de convivência offline, principalmente para jovens e grupos vulneráveis.

“A internet é uma ferramenta poderosa, mas precisamos aprender a usá-la a nosso favor — e não como substituta da vida real”, diz Mariana Lemos.

A mensagem é clara: a conexão verdadeira não depende de Wi-Fi. Em tempos de hiperconexão, o maior desafio pode ser justamente reaprender a se relacionar de forma genuína.

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